quarta-feira, 17 de março de 2010

Flores de aço

Mais uma vez eu estava matando ele, porque não importava quantas décadas passasse, ele sempre acabava voltando. Já havia me despedido das mais diversas formas, em sonhos e com flores. Inúmeras lágrimas haviam caído livremente em meu rosto meio deformado pela dor, dessa vez era eu quem tinha que matá-lo. Doeu-me.

Noite passada eu sonhei que ele voltava. Pele acinzentada e úmida, olhos verdes, sem vida, vi neles raiva incontida. Vinha em passadas largas, descontrolado me procurava em todos os cantos, eu sabia que ele iria me encontrar mais cedo ou mais tarde. Toda a opressão que eu já havia sentido me voltava à garganta sufocando minha coragem, tornando-a murcha até virar um medo devastador. Em suas mãos, duas barras de ferro que eu sabia muito bem, me eram destinadas.

Não sei quanto tempo fiquei escondida, mas foi tempo suficiente para amargar o medo no peito e transformar em uma coragem nunca antes sentida. Sai do esconderijo e parti para o ataque, em minhas mãos também tinham armas. Logo que me viu correu em minha direção, fiz o mesmo. Ele me atacava, eu fazia o mesmo. Primeiro era ferro contra ferro, depois foi a carne de sua cabeça que minha arma encontrou. Era um monstro maior que eu, já não conseguia parar de bater. Desesperada eu gritava e continuava a bater, ele caiu de joelhos e me olhava com olhos ternos, cheios de lembrança. O ferro em minha mão prosseguia batendo, tirando sangue, vida e os sons mais terríveis que eu certamente haveria de ouvir nessa vida.

Acordei com o corpo coberto de suor, minhas mãos geladas e doloridas. O grito na garganta preso a me sufocar, ninguém por perto, nervos em frangalhos. Não dormi o resto da noite, as dobras da coberta guardavam as lembranças dos constantes pesadelos. Pensando friamente sobre o sonho de ontem posso dizer que ainda não sei por que ele quer voltar, mas sei muito bem porque não quero que ele volte.