segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Ensaio sobre o fim!

Quem nunca pensou em cortar os pulsos quando a morte tão sedutora mostra suas unhas vermelhas e seu cheiro adocicado de jasmim? Eu ainda sinto seu cheiro. Lembro de tê-la visto em alguma das esquinas que passamos na noite passada, um pouco depois de ter perdido a consciência. Ela mostrava-se como num clichê roxo e preto em meio a escuridão enquanto o carro ultrapassava em alta velocidade caminhos que jamais pensaria que pudesse passar.

Nessa noite, ao lado da pessoa que poderia ser minha alma gêmea, segurei firme no encosto do banco da frente e senti o medo mais devastador. Foi nesse momento que a percebi ainda mais perto, sabia que em algum lugar da cidade fria ela me esperava com a promessa do eterno. Eu estava qualquer coisa entre me sentir maravilhada e apavorada com tal convite.

O que faz alguém querer morrer ou viver? Será que é a soma dos sorrisos? Por que eu estava sorrindo se estávamos perdidos? Lembro qualquer coisa sobre um embalo suave e continuo e ainda pensava sobre a vida. Naquele momento eu só gostaria de estar em minha casa, deitada na cama sendo abraçada por ele, relembrando momentos, tragando sorrisos um do outro, espantando ela para longe, cegando com nossa luz seus olhos famintos.

Não sei dizer de onde veio aquela luz que momentos antes eu imaginava, mas veio, e seguida de um impacto tão forte que me senti sendo jogada para fora da janela. Ouvi freadas, e o vil metal se contorcendo – talvez por medo também, nenhum grito audível e eu estava no chão. Não sentia dor, nem frio e nem mais aquele medo, só conseguia pensar que o toque dela tinha um peso forte demais e talvez eu precisasse de um abraço, ainda que fosse eterno.

O ar estava parado, quase não chegava a meus pulmões, o silêncio como um cobertor me acalentava. Não sei ao certo quantas eternidades passei ali, quantos sonhos e lembranças me vieram visitar. Quando acordei estava num hospital, depois de uma noite em coma, na qual me disseram eu havia morrido e nascido novamente. Eu acreditei, pois ainda pela manhã, podia sentir seu cheiro.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Sobre - Viver

"Sem-sibilizar-s
Transpor-tar-se,
sem tocar o chão

Vi-ajar,
de olhos bem fechados
Des-estruturar a vida
Re-montar-se,
Nova-mente
Sem-sibilizar-se"


terça-feira, 28 de julho de 2009

Esse é um texto sobre meu pai. Não consegui lhe atribuir um título. Foi um sonho que tentei colocar em palavras....


Foi no final de uma tarde cinzenta e tranqüila, os laranjais carregados de frutos, cães e gatos numa estranha harmonia. Ele havia acabado de tomar seu costumeiro café da tarde, me fez carinho, acho que devia estar meio atrasado porque num parava de olhar no punho esquerdo para ver as horas. Fazia algum tempo que não preparávamos a pipa para alguém partir, mas ele parecia acostumado com aquilo tudo, além do mais estava preparado e com pressa.
Estendemos a calda pela escada de casa. Eu segurava em uma das extremidades posteriores. Ela permanecia com ele no final das escadas, e por alguns instantes os dois pareciam longe demais, não sei o que ela lhe dizia, se o ajudava nos últimos preparativos ou apenas lhe dava os últimos conselhos. A calda era colorida com triângulos de seda e muitas linhas para amarrar tudo numa única e grande calda de pipa, que apesar de frágil demais era um bocado bonita e bem feita.
Não sei dizer quanto tempo se passou antes da rajada de vento vir. Fechei meus olhos, um medo terrível me invadiu, percebi que havia chegado à hora de soltar a ponta da calda que eu segurava com tanta força e ao mesmo tempo cuidado.
Ele voou, sei que não olhou para trás, que não sentia medo mesmo quando a grande calda enroscou nas árvores e nos telhados. Foi embora voando como se fizesse isso todos os dias, e eu chorei porque sabia que aquilo nunca havia acontecido antes, e que nunca mais iria acontecer

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Rastro

Todos os dias eu fazia as malas para ir embora. Guardava tudo que aquilo que julgava importante e tentava criar a coragem de fazer o inevitável.

Todos os dias ele batia em minha porta e semeava meu canteiro de orquídeas com ervas daninhas, jurava a mim mesmo que iria embora, mas acabava ficando sempre mais um dia, de dias e dias.

Prometia mudar, mas as ervas enrolavam-se em minhas pernas, aos poucos fui percebendo que como elas, eu também tinha raízes. Minhas pequenas flores plantadas com tanto carinho disputavam o espaço cada vez menos abundante.

As janelas iam sendo tomadas pelo mato que crescia em ritmo desenfreado, tornando o interior da casa obscuro, a visão cada vez mais turva e a luz do dia muito rara.

Os dias passavam sem mais azul, transcorrendo em meio a trevas, a densidade do ar palpável e sem precedentes. Na madrugada do dia em que as coisas se tornaram insuportavelmente intensas, eu acordei. O pesadelo de ser enterrado ali me sufocava. Senti que não havia mais tempo a perder, como um louco arranquei minhas raízes e fugi, deixando uma mala sobre a mesa e meu rastro de terra pelo caminho.