sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Obsessão




Afastei o portão, passei sem dar maior atenção à cadela que me fitava com ar de reconhecimento, escancarei a porta que estava apenas encostada e entrei. A família toda estava reunida na sala, espalhados pelo sofá de estampa florida, assistiam alguma coisa que passava na tv. Me olhavam de maneira confusa, mas meus passos firmes me faziam continuar e passar por eles sem me importar com as indagações que vinham.

Me dirigi com pressa para o quarto dele, nada tinha mudado, os móveis continuavam nos mesmos lugares. A cama desarrumada, as roupas jogadas pelo chão, os livros sem ordem empilhados sobre a cadeira, o disco na vitrola persistia em rodar sem tocar nada. Quanto tempo teria passado desde a última vez?

Parada no meio daquele quarto que era um pouco meu também, fiquei olhando aquelas coisinhas todas, a canção dos ventos pendurada na frente da janela produzia um suave som metálico de peças batendo enquanto a cortina dançava longe e me tocava de leve as pernas.

A estante estava ainda ao lado da porta do quarto. A mesma bagunça, tudo junto ao mesmo tempo. Meu olhar passou por cada prateleira, mas apenas uma me chamou maior atenção. Os porta-retratos! Com alegria vi nossas lembranças em fotos, alguns tinham apenas fotos minhas, da minha infância (o que explicava porque os retratos haviam sumido da minha casa), em outras, imagens nossas abraçados, sorrindo felizes, sorri também. Um sorriso que foi desaparecendo ao ver que ali, naquela mesma prateleira, continha fotos de uma mulher que não era eu, uma outra que nunca tinha visto. Fui vendo cada vez mais retratos dela espalhados junto com os meus. Entendia perfeitamente. Senti ódio.

Ele entrou pela porta, não me pediu explicações. Não perguntou o que eu fazia ali mexendo em feridas depois de tanto tempo, talvez porque tanto quanto eu, ele também se encontrava sem voz. Ficamos por algum tempo nos olhando, não sei explicar como que dos olhares fomos para o beijo. Um beijo lento e perfeito. Enquanto me deitava na cama, um porta-retratos caiu de minha mão, mas nada importava. Éramos os únicos seres habitantes do mundo, nos enroscávamos no lençol amarrotado. Desculpe interromper! Uma voz soou alta, não vi de onde veio, mas o beijo havia acabado. O telefone tocou, acordei sobressaltada.

Não queria atender telefone algum, deixei que tocasse. Ansiava por voltar, desejava ardentemente realizar aquilo tudo, abrir a porta, invadir a casa, tomar de volta o que me pertencia, organizar a estante de lembranças, jogar fora as que não eram minhas. Mostrar que ele jamais poderia me esquecer. Dizer simplesmente: Voltei!