quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Rastro

Todos os dias eu fazia as malas para ir embora. Guardava tudo que aquilo que julgava importante e tentava criar a coragem de fazer o inevitável.

Todos os dias ele batia em minha porta e semeava meu canteiro de orquídeas com ervas daninhas, jurava a mim mesmo que iria embora, mas acabava ficando sempre mais um dia, de dias e dias.

Prometia mudar, mas as ervas enrolavam-se em minhas pernas, aos poucos fui percebendo que como elas, eu também tinha raízes. Minhas pequenas flores plantadas com tanto carinho disputavam o espaço cada vez menos abundante.

As janelas iam sendo tomadas pelo mato que crescia em ritmo desenfreado, tornando o interior da casa obscuro, a visão cada vez mais turva e a luz do dia muito rara.

Os dias passavam sem mais azul, transcorrendo em meio a trevas, a densidade do ar palpável e sem precedentes. Na madrugada do dia em que as coisas se tornaram insuportavelmente intensas, eu acordei. O pesadelo de ser enterrado ali me sufocava. Senti que não havia mais tempo a perder, como um louco arranquei minhas raízes e fugi, deixando uma mala sobre a mesa e meu rastro de terra pelo caminho.